O que significa vestir-se como uma mulher nestes novos loucos anos 20? Estarão os homens condenados a enfadonhos fatos pretos em todas as Cerimónias de Prémios para toda a eternidade (a não ser que sejas o Billie Porter, obviamente)?
Já passou praticamente um século desde que a nossa querida amiga Coco mostrou como as mulheres podem ser bonitas e femininas vestindo um par de calças e, desde aí, (quase) todas as portas se abriram para nós, mulheres que adoram roubar as t-shirts do namorado (e não apenas para dormir!). Nos anos 80, os fatos de inspiração masculina transferiram o poder para as mulheres, que cada vez mais conseguiam alcançar sucesso profissional, e, nos anos 90, as boyfriend jeans eram uma peça essencial no guarda-roupa de qualquer adolescente.
Mas, vestir-se efetivamente com roupas masculinas e, ainda assim, ser (e sentir-se) feminina é toda uma outra história. Entrar na secção de homem e imaginar as camisolas com saias pretas curtíssimas ou os casacos de ganga com vestidos cor-de-rosa implica uma visão diferente, livre de pré-conceitos. Na realidade, se pensarmos mesmo nisso, não é assim tão diferente daquela t-shirt três números acima do nosso, que adorámos nos saldos da Zara e decidimos comprar de qualquer maneira, porque fica absolutamente incrível com as calças de ganga certas.
No entanto, não é assim tão simples para os homens.
Ainda acreditamos que os crop tops, os colares de pérolas e usar uma unha de cada cor são apenas reservados para o sexo feminino. Exatamente da mesma maneira que não vestimos os nossos bebés de cor-de-rosa; pelo menos até eles terem idade para decidir. Não estamos habituados a olhar para a maneira como nos vestimos, a nós e às nossas crianças, como uma expressão de liberdade.
Felizmente, e talvez considerando esta premissa, algumas marcas começaram já a produzir coleções sem género, tanto para adultos como para crianças. Um bom exemplo disso é a portuguesa Zippy: em 2019, foi lançada “Happy”, uma coleção-cápsula com roupa para crianças entre os 3 e os 12 anos, que incluía calções, casacos e calças que podem ser utilizados tanto por meninos, como por meninas. A Tommy Hilfiger também já o tinha feito, com algumas peças desportivas adequadas para ambos os sexos. E, convém não esquecer os últimos desfiles da marca italiana Gucci, que nos transportam para um mundo onde o conceito de “vestir de acordo com o género” não existe.
Por todo o mundo, cada vez mais marcas estão a explorar este mercado sem género, que parece ter bastantes fãs juntos dos Millennials. Em 2015, os armazéns Selfridges, em Londres, lançaram uma loja pop-up chamada “Agender”. A ideia por detrás deste projeto era que homens e mulheres pudessem não só fazer compras exatamente no mesmo espaço, mas comprar exatamente as mesmas peças, de acordo com o seu gosto pessoal e individualidade, e não de acordo com o género.
Obviamente, isto não quer dizer, necessariamente, homens em vestidos ou mulheres de gravata, vai muito para além do conceito de androgenia. Trata-se, na verdade, de explorar as diferenças entre géneros, esquecendo as fronteiras do que é, supostamente, apropriado apenas para homens ou apenas para mulheres.
Na realidade, os artistas têm vindo a fazê-lo desde sempre. Pessoas como o Freddie Mercury, António Variações, Bowie ou, mais recentemente, Harry Styles encontraram a maneira perfeita de se exprimirem através das roupas que escolhem, sem nunca olharem a limites de género. E, se na altura em que o Freddie tomava os palcos de assalto apenas em latex, as suas escolhas eram frequentemente associadas com a homossexualidade, infelizmente, ainda temos um longo caminho a percorrer, nos tempos que correm.
Assim, neste mundo em constante mudança, aceitar que o género pode e deve ser um conceito fluído pode, também, ser uma posição política: ao vestirmos exatamente aquilo que queremos, quando queremos e porque queremos, estamos a dizer que todos os modos de vida são legítimos, mesmo que totalmente diferentes dos nossos. Desde que nos respeitemos e abracemos o que temos de diferente, não interessa se partilhamos as nossas roupas com o nosso irmão ou os nossos vernizes favoritos com o nosso melhor amigo.
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What does it mean to dress as a woman in this new crazy wild 20s? Are really men condemned to black boring suits in every Award Season till the end of time (unless you’re Billie Porter, of course)?
It’s been pretty much a century since our good friend Coco showed how women could look beautiful and lady-like in a pair of trousers and, since then, (almost) all the doors have been opened for us, women willing to steal the boyfriend’s t-shirt (and I do not mean just for sleeping!). In the 80s, the men-like suits brought the power to the working and increasingly successful women and in the 90s the boyfriend jeans were in every teenage girl wardrobe.
But to actually dress in men’s clothes and still look (and feel) feminine is a whole different story. It takes the out-of-the-box vision to walk in the men’s division and picture the shirts with tiny little black skirts or the denim jackets with pink skin-tight dresses. If we think about it, it really is not that different from that extra-large t-shirt we loved in the Zara sales and decided to buy anyway, because it looked amazing with the right skinny jeans.
However, it is not that simple for men.
It is still widely believed that crop tops, pearl necklaces or rainbow nails are just reserved for the girls. In the exact same way that we don’t dress our baby boys in pink; not unless they’re old enough to decide, at least. We are not used to think that the way we dress ourselves and our kids might also be an expression of freedom.
Hopefully with that in mind, some brands have actually begun to produce ungendered or gender-neutral collections, both for adults and kids. Zippy is one of the examples: last year they released “Happy”, a capsule collection with clothes from 3 to 12 years old that include shorts, jackets and jeans that can be used by boys and girls. Tommy Hilfiger has done it too, with some sport inspired pieces. And let´s not forget the latest Gucci fashion shows, where we can really forget that whole (obsolete, if you ask me) concept of “dressing according to gender”.
Around the world, more and more brands are exploring this gender-neutral market, that seems to be appealing to the Millennials. In 2015, Selfridges, in London, launched a pop-up store called Agender. The idea was that men and women could not only shop together, but also the same exact pieces, based only on their individuality and not on gender.
This means, obviously, much more than men in dresses or women in ties, it is going way beyond androgyny. It is all about exploring the differences by defying the boundaries between what’s supposed to be suitable just for men or just for women.
In fact, artists have been doing this for years. People like Freddie Mercury, António Variações, Bowie or, more recently, Harry Styles have found the perfect way to express themselves throw their outfits without the limits of gender. And if back in Freddie’s days their choice of shapes and fabrics was frequently associated with homosexuality, nowadays we still have a long way to go, sadly.
And so, in this fast-moving world, accepting that gender is a fluid thing can also be a political statement: by letting ourselves be completely free in what we wear (and also in what we do), we are saying that every way of life is legitimate, no matter how different from our own. As long as we respect each other and embrace what makes us unique, it does not really matter if we share our clothes with our brother or our nail polishes with our best (boy)friend.
Mariana Faustino